Meu eu escorado


Bandit sozinho em casa, a solidão do apartamento... a solidão é uma poltrona confortável de cores sombrias... Abri um nacional mediano, gelo de forminha, e encontrei duas latas de soda na geladeira...


Sem música, sem vídeo, só as paredes na penumbra do abajur... não, eu não vou descambar pras sacanagens hoje, não estou a fim de conceder nada pra literatura agora, nem vou contar uma história, desiste agora se você espera isso... não confie no que disseram sobre minhas habilidades... talento?


É. Dizem por aí que sou um cara talentoso, se defendesse Raskolnikov do duplo homicídio ele pegaria no máximo 13,6 anos de reclusão e deixaria de ir para a Sibéria. Mas o que faço com meu talento? Sorry, mamãe, eu uso pra comer putinhas de graça, mas nem sempre, adoro pagar pelo sexo...


Coerência... dez mil anos de uma civilização capenga, milhares de universo caótico e o tipinho de gente que anda por aí... Eu acho que evoluímos até demais, considerando o tipinho de gente que anda por aí... o mundo é abastado em coerência.


(parêntesis: gravata deve ter alguma coisa a ver com coleira, deve fazer parte de alguma sacanagem de um estilista molieriano passando um pente no rabo da burguesada fingindo um afago)


Estou completando 29 anos hoje e tenho cartas na manga, um olho no crupiê, outro no espelho: vejo meu rosto sincero, é minha melhor jogada... a pior desgraça que pode acontecer a um vampiro é ter rosto de canalha, meu vampirismo se manifesta entre as bolas e a glande do pênis, mantenho assim um sorriso benévolo. Drácula no século XXI estaria fodido, seria gerente de boca, nem chegaria ao colarinho branco, talvez até virasse o excêntrico motorista da tower do banco de sangue.


Um cara calmo demais, eu sou. Acontece às vezes de ser paciência, noutras é indiferença mesmo... tento adivinhar o que vão dizer antes de terminarem a frase, e preparo meu ataque durante o abrir e fechar de lábios de quem me fala, só bato se realmente valer a pena. Se o cara me surpreende eu uso improvisações aprendidas em exercícios de artes cênicas, fui um ator medíocre de um teatro infame... o contrário também cai bem.


Pesadelos... tenho pesadelos, num deles sou preso pelos militares, solto pela anistia, e depois preso pelos petistas que chegaram ao governo – Sade entende dessas coisas. Na minha cela Ernesto Che Guevara está vivo e pergunta o tempo todo: quantos somos? Brizola quer saber: vivos ou mortos? Mortos, digo olhando pro Guevara que baixa a cabeça e resmunga creo que sea el fin de la revolución. Todo mundo que nasceu em 1977 deve sonhar coisas parecidas...Eu dormi no fora Collor e meu mundo é a planície... tenho a profundidade de um Sátiro... Adoro cafunés pagos, releituras de livros e vento na cara... Encontrei Saulo ontem num sebo da 23 de maio e o cara folheava Piotr Kropotkin com paixão, eu também fazia isso em 1999.


Sátiro... quando lembro de revolução penso em sexo... Ela, nua, tatuada em henna, me pergunta se o correto é “pele dos indianos” ou “peles de indianos”?... Recomendo o singular, embora num lugar em que se admitam castas certamente pode-se usar sem medo o plural para pele. Esse negócio de pele é sério e eu venho tentando salvar a minha já há algum tempo.


É meu aniversário, já falei. Ganhei o dia de folga, está nublado, mas fiz o que nunca faço, passei a tarde de hoje na praia, óculos escuros e boné, sentado no quiosque olhando o mar sem cor... pouca gente na areia, fiquei atento a duas mulheres sentadas vigiando várias crianças que corriam sorrindo, brincavam de pique enquanto eu dava goles macios na minha cerveja. Uma menina tropeçou e caiu chorando e todos foram embora depois. Eu tava me divertindo. Pensei num palavrão. Adoro palavrões... Nem pra falar hoje em dia, só para lembrar, colecionar... tenho cada pérola guardada... tive uma mina que achava esse negócio de palavrão barato, gratuito... porra, pra mim foi caro, no passado paguei com sangue os palavrão usados...


(Outro sonho estranho: eu com um chapéu de palha cantando sambas de Moreira da Silva para uma platéia de coroas ensandecidas num cabaré decadente... quero sugar essa força do velho Moringueira; há tanto tempo tentando um texto forte, vibrante, e cedo a pieguices sem tamanho, amenidades tolas... é difícil manter minha literadura...)


Minha literadura: eu bebo nos botecos da Ilha da Conceição de madrugada, ao lado de traficantes, ladrões, damas e santos... mas compro chocolates nas Lojas Americanas... depois vou procurar livros em promoção, eles ficam perto da seção de lingerie... Já achei Mallarmé um dia, mas agora só encontro a Matemática dos Aniversários e livros ensinando a trepar sem a graça e o brilho dos antepassados, dos Vatsayana, dos al-Nafzawi... a cultura de massas enxuga muita coisa, mas o que ela mais seca é a alma e o sexo... a gente trepa muito e sente pouco, maus orgasmos cotidianos e necessários, a alma pela metade.


(mas de tempos em tempos acontece o gozo que redime, me abastece em sua arena de luta e paixão...)


Bebo ainda, mas é absolutamente necessário que eu mantenha-me lúcido... eu bebo pra ver melhor, não para fugir.. um sadomasoquismo social, é por aí... Já criaram o darwinismo social e agora estão usando Nietzshe como auto ajuda...


Eu prefiro essa de sadomasoquismo social, o caminho até aqui foi fodido, mas antes de me vangloriar por ter escapado, temo pelo resto de estrada e a quantidade de munição que sobrou: pipoquei metade das balas até os 25 anos. Depois daí passei a dar tiros seletivos, tenho chumbo ainda, mas isso cessa sem mandar recado, principalmente na hora de cruzar o redemoinho.


Vivo e sinto presente a bala guardada com meu nome gravado, todo dia... munição do caralho que não masca, pólvora negra, clássica: 75% de salitre, 15% de carvão e 10% de enxofre...


E é esse cheiro de morte que anuncia o crepúsculo avisando que o sol não vem trabalhar hoje, sumiu essa semana, o sacana. As meninas estão perdendo as marquinhas de biquíni nas ancas e isso é imperdoável... imperdoável.



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